UMA SESSÃO DE JÚRI EM PARACATU


QUANDO me formei, na maior dificuldade possível, (contarei com detalhes oportunamente), abri o primeiro escritório de advocacia em Vazante. Como não tínhamos conseguido ainda a criação e a instalação da Comarca, tive de iniciar a minha luta nas lides jurídicas na Comarca de Paracatu. Era difícil. Além da distância e estradas de terra, enfrentava a enorme demanda da Comarca e a burocracia dos Cartórios – sim, naquele tempo não era Secretaria do Juízo, mas sim, Cartórios -. Não seria má vontade dos servidores, mais pela ineficiência do sistema e o enorme volume de processos. Tudo muito obsoleto sem índices de pesquisas que facilitasse encontrar o processo quando fosse necessário e contavam com poucos funcionários. Fato comum a gente ir à Paracatu só pra ter vista em algum processo e perder a viagem, pois não conseguiam nem mesmo localizá-lo.
Mas, por necessidade, aprendemos a conviver com essa situação e participava da aplicação da Justiça da forma que fosse possível. Com todos os percalços era um tempo feliz, trabalhando com dificuldade, mas com pessoas da melhor qualidade, desde o Juiz até o mais subalterno dos auxiliares da Justiça. A Honestidade imperava...
Devido a extensão da Jurisdição que abrangia a Comarca de Paracatu, além da sede, tinha Vazante e Guarda-mor, somados a eterna falta de Juiz, ou Promotor de Justiça – quando não eram os dois -, a enorme quantidade de processos acumulava nos armários dos Cartórios. Isso era suficiente para emperrar o trâmite dos despachos processuais que fluíam em passo de tartaruga. Em razão disso os feitos dormitavam em berço esplêndido aguardando despachos, ou outro andamento.  (Sentença nem de longe a gente enxergava). Nós mesmos, os advogados, nos momentos do cafezinho sempre brincávamos, dizendo: - se alguém pensa em assassinar uma pessoa, deve buscá-la e cometer o crime dentro do território da Jurisdição da Comarca de Paracatu, pois fatalmente ele será alcançado pelo famigerado instituto da prescrição temporal e o criminoso restará impune.
TODOS os advogados que militavam na Comarca sempre deram bem com os Magistrados e com os Promotores de Justiça. A recíproca era verdadeira. Durante os quatorze anos que militei naquela Comarca, tivemos um ou outro deslize de algum colega trazendo um algum tipo de aborrecimento e desrespeito para com aquelas autoridades. Mas casos sem gravidade, resolvidos com uma boa conversa.
NÃO EXISTIA a figura do Defensor Público. Para que as pessoas menos favorecidas pudessem ser amparadas na defesa dos seus direitos, o Juiz nomeava os Advogados militantes na Comarca, seguindo uma ordem sequencial, de modos que todos prestavam esses serviços gratuitamente. Ninguém reclamava.
OS MAIS complexos eram os processos criminais, principalmente aqueles que estariam sujeitos ao julgamento pelo Tribunal do Júri. São os crimes dolosos contra a vida (art.121 a 126 do C. Penal) – Homicídios. São também da alçada do Tribunal do Júri o induzimento ou instigação ao suicídio, o infanticídio, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, ou o aborto provocado sem o consentimento da gestante. Esses em pequenas quantidades.
 ISSO tá mais pra uma aula de Direito Penal. Cruz credo!!!
ESSES processos da alçada do Tribunal do Júri, geralmente os famosos “Cabeludos”, iam acumulando nos escaninhos, sem que fossem julgados. Seja por falta de interesse da Justiça, seja pelas partes, enfim lá permaneciam inertes, muitas vezes réus presos ou foragidos...
VEZ OU OUTRA o Magistrado resolvia fazer uma Sessão de Julgamento para se livrar daqueles” entulhos” e convidava os Advogados mais afetos aos Julgamentos pelo Júri para dar as suas contribuições. Eu era um deles e sempre aceitava, como os demais colegas também aceitavam. É bom esclarecer que numa SESSÃO de julgamento podia julgar um, dois, três ou mais processos.
FORAM cinco processos dos famosos “Cabeludos” que o Juiz resolveu julgar numa determinada Sessão, e nomeou para cada réu um advogado. Me lembro do Dr José Borges, que como eu tinha se formado depois de maduro – fomos colegas em Uberlândia. Os outros colegas não me lembro. Recordo sim, que foram processos difíceis, daqueles que a gente dizia estar dentro dele como um gato num piso encerado, sem garras em lugar nenhum. O mesmo que dizer, sem nenhuma prova ou argumento para dar início a uma defesa convincente. Mesmo com o zelo profissional e dedicação na hora do Julgamento o resultado só poderia ser o pior. As condenações se sucediam, quinze anos pra um, dezesseis e meio pra outro... e assim por diante. Mesmo porque nenhum dos colegas, como eu também, não tínhamos acompanhado a parte Instrutória daqueles feitos, o que, sempre trazia maiores dificuldades para todos.
O MEU cliente seria julgado no dia seguinte ao julgamento do cliente do Dr José Borges. Ele era muito brincalhão e não perdia tempo em aprontar das deles em qualquer situação.  Grande colega! - Infelizmente foi pro andar de cima -.  Faleceu ainda jovem, deixando boas lembranças e muitas saudades...
QUANDO cheguei, ele estava na entrada do fórum. Eu, com a minha beca, livros e apontamentos nas mãos, o cumprimentei com um gesto e dele indaguei: E, aí, Doutor. Como você saiu ontem?  Prontamente ele respondeu: - Eu? Eu saí muito bem... Mas o meu cliente?  Saiu mal!... Tomou dezoito anos de prisão. E emendou – ele ficou muito chateado, então fui lá à cadeia e a título de diminuir o impacto da sua condenação eu o consolei. Olha, seu fulano! Foram dezoito anos de prisão. Mas isso não é assim de uma só vez, não. Fica parecendo ser muito. Dezoito anos? Parece ser muito, mas  é  tirada a cadeia dia por dia... todo dia um pouco até inteirar os dezoito anos...
BELO CONSOLO...
O meu cliente tomou uma pena um pouco maior, mas eu não quis consolá-lo coisíssima nenhuma. Nunca mais o vi...

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