A CHACINA DO MIGUEL DO JEROMÃO

Dona Clementina e sua criada Nega

A Cidade nem era cidade ainda. Uma pequena Vila, formada por um aglomerado de casas em redor da igrejinha, erigida na boca da gruta onde, segundo relatos, aconteceu a aparição de Nossa Senhora da Lapa. No mais, alguns ranchos de pau a pique, cobertos por folhas de babaçu, espalhados na pequena praça. Estes permaneciam abandonados a maior parte do tempo, pois construídos para o uso exclusivo de quatro ou cinco dias, durante os festejos da Santa Padroeira, nos dias 1,2 e 3 de maio de cada ano.
O Povo era bom, pacato e ordeiro. Quase não tinha notícias de violências. Inexistia força policial, mas ainda assim a obediência era a regra.
OS CORONÉIS ditavam as ordens e eram obedecidos. Essas patentes recaíam sempre em fazendeiros abastados, donos de muitas terras e gados, mas, sobretudo, de condutas ilibadas, reconhecidamente sérias, honestas e justiceiras. 
Dúvidas e questionamentos subsistem quanto à existência dos Coronéis, que eram patenteados pela Força Pública do Estado, mas é facilmente explicável. A Força Pública não tinha meios estratégicos e nem logísticos para manter policiamento no vasto território dos seus respectivos Estados. Com essas ausências imperava a lei do mais forte e cada qual fazendo justiça com as próprias mãos.  Daí a fama de que o sertão era violento. 
Que o diga Guimarães Rosa.
Interessante que as leis dos Coronéis nem sempre eram tão falhas como pode ocorrer atualmente. Quando um Coronel ditasse a ordem, fosse justa ou injusta, ela tinha de ser cumprida. E era sempre precedida de uma série de providências na apuração dos fatos. Geralmente vinha o querelante expor a sua queixa. O Coronel despachava um dos seus “homens de confiança” até a casa do querelado e o trazia na sua presença. Ouvido esse, propunha um final na questão, o que corresponde hoje à espécie de um acordo judicial. Caso não conseguisse ele ditava a sentença e o cumprimento era imediato.  Há quem diga que era bem melhor do que acontece hoje, diante da morosidade da Justiça. 
Posteriormente evolui-se para o Juizado de Paz, que tinha o poder de fechar acordos e, se não conseguisse, ditava a sentença, que tinha valor Judicial. Era mais moroso, ficando na dependência da execução pelo Poder Judicial da respectiva Comarca.
Sob o império de tudo isso, aconteceu um fato grave e lamentável na pequena Vila da Lapa do Pamplona.
Existia o aglomerado de casas já relatadas nas imediações da gruta da Lapa. E, lá mais em baixo, nas margens do córrego do Pamplona (sou apaixonado com esse nome), já bem próximo à sua foz no ribeirão chamado de Carrapato, hoje Rio Santa Catarina, estava outro aglomerado de casas e moradores. Eram quase todos da mesma família, os Ribeiro da Paixão, cognominados de Pampaloneiros.
Eram pessoas simples, honestas, trabalhadoras, humildes até demais, que viviam ali naquele aglomerado, cultivando seus pedaços de terras e criando alguns animais e trabalhando para os fazendeiros da região. Dentre eles destacavam-se o Manoel Adriano e Sebastião Adriano (irmãos), Seu Zé Ribeiro e outros. A D. Benedita, esposa do Sebastião Adriano, era a dodói da minha mãe. Elas duas tinham uma amizade e um respeito mútuo e profunda confiança. Quando minha mãe viajava por qualquer motivo, só agendava a viajem de acordo com a D. Benedita. Se ela pudesse ficar zelando de nós lá em casa ela fazia a viagem. Se não pudesse a viagem seria adiada.
Deixei por último para falar da D. Clementina Ribeiro da Paixão, irmã dos dois já mencionados. Ela era mais conhecida em razão da sua vida mais longa, veio a falecer há pouco mais de vinte anos. D. Clementina era vista andando pela cidade, ostentando os seus cabelos brancos, sempre em companhia da sua sobrinha conhecida por Nega. Eram inseparáveis, até mesmo pelas condições da Nega que necessitava de cuidados especiais. E a D. Clementina, também, com muita razão, tinha seus momentos de uma espécie de perda de memória, presumo ser pelos motivos que seguirão.
A Familia de D. Clementina foi vítima de um ato de violência gravíssimo e imperdoável, envolvendo alguns dos seus parentes, culminando com a morte do seu único filho, o JOÃO DA CLEMENTINA e outro parente próximo, salvo engano, seu sobrinho, o LUIZINHO.
O Mês era abril ou maio, quando se comemorava anualmente a festa de Reis do Divino Espírito Santo. A famosa Festa da Imburana, que acontecia na casa do Seu Paulo e a sua família, hoje a família dos Pedreiros. Não me lembro do ano. Só sei que foi na década de 50 e o frio já começava a apertar. 
Era comum os Pampaloneiros saírem em grupo lá da Pamplona e virem na Lapa, conforme era chamada a Vila, para comprar alguma coisa e, como de costume, bebericavam umas pingas nas vendas do arraial. Assim fizeram. Compraram as coisas da precisão deles lá na venda do Mota, na esquina de cima da praça da Igreja. Por lá tomaram as suas pinguinhas e foram descendo em grupo rumo à Pamplona. Para não perderem tempo e estando programados, deram uma passadinha na Festa da Imburana. Por lá ficaram um bom tempo e após a entrega da folia e ter comido alguma coisa, retomaram o rumo de casa.
Seu Inácio tinha uma venda ali próxima o local da festa, frenteando com o cemitério. Para simples posicionamento é ali onde hoje é o Restaurante Klebs Lanches. Fica na Rua Guarda Mor, esquina com a Rua Quintino Vargas. O cemitério era onde hoje é o Ginásio Pedro Pereira. Tanto a venda do Seu Inácio como o cemitério eram cercados por uma vasta vegetação de cerrado e, naquele tempo, era considerado longe da Vila. Distava mais ou menos o meio do percurso entre essa e o aglomerado do Pamplona. Dali quase avistava o local onde realizava a festa.
Na venda  o grupo de pampoloneiros esbarraram pra tomar mais umas pinguinhas, e depois prosseguirem em rumo de casa. No próprio balcão, Seu Inácio servia os homens, que não se continham com apenas uma dose. Ia uma, ia outra, mais outra... Já vinham de outras tantas lá da venda do Mota e na festa da Imburana, não demorou muito já davam sinais de que começavam a se embriagarem. Era do costume deles.
O MIGUEL DO JEROMÃO alheio às bebedeiras dos pampoloneiros desfrutava da companhia de uma mulher que sempre visitava e com ela permanecia algumas horas e depois descia para a chácara do seu pai, o Jeromão. 
A Chacára ficava na mesma direção do aglomerado do Pamplona, porém um pouco mais â esquerda. A estrada que dava nos dois logradouros era a mesma até certo ponto. Dalí o Miguel ganhava à esquerda deixando a estrada mestre e seguia por outra um pouco mais estreita. Era somente uma estrada cavaleira e servia apenas à chácara do seu pai.
Miguel sempre fazia uma parada na venda do Seu Inácio, principalmente quando tinha de comprar algumas encomendas dos peões do seu tio, onde trabalhava, ou pro seu pai e até mesmo pra ele. Assim esbarrou lá na venda, apeou do seu cavalo e entrou no estabelecimento. Seu companheiro, o Manoelzinho. Permaneceu montado e segurando o cabo do cabresto do seu cavalo. Ia ser breve, disse ao tomar o rumo da venda. 
Fez as suas compras e ia retornando pro seu cavalo, quando os pamploneiros iniciaram uma questão entre eles e esbarraram no Miguel, quase o derrubando. Não gostando daquilo, demonstrou a sua insatisfação. Começou a encrenca.
Seu Inácio lá de dentro da venda, mesmo atendendo a outro freguês, observava o entrevero, não gostando daquilo. Ele conhecia o Miguel de algum tempo. Era um rapaz enigmático, de pouca conversa. Não era dado à bebida e não gostava de ficar junto a quem estivesse bebendo. Não aturava bêbado, dizia. Por ser de pouca conversa, como já disseram, poucos conheciam por dentro o Miguel do Jeromão. Não intrometia na vida de ninguém e não dava oportunidade para que bisbilhotassem a sua. Era alheio às festas, tanto que nem sequer passou na Imburana.
Quando Seu Inácio viu. O pior já estava acontecendo. O facão cabeça de cachorro do Miguel realumiava na fresta de luz que escapava na porta da venda e só via homem caindo diante das facãozadas desferidas pelo Miguel. Nada ele pode fazer.
Cessada a briga, Seu Inácio viu o João da Clementina caído ensanguentado e já sem vida. Tinha levado uma facãozada na cabeça e outra no pescoço. Do outro lado tinha mais alguns com ferimentos desimportantes. Um tinha levado uma facãozada nas popas e o outro no braço.  O Luizinho estava caído com uma perfuração no abdômen.
O Miguel montou no seu cavalo, seguido por seu companheiro, tomaram apressados o rumo da moradia do seu pai. Foi à última vez que foi visto na região. Seus tios deram sumiço nele. Segundo disse ele foi levado pra Belo Horizonte, onde nunca foi encontrado para ser julgado pelos seus crimes.
AS vítimas foram levadas pra farmácia do Seu Oscar onde aqueles, com ferimentos mais leves, receberam os curativos. Menos o João da Clementina que já estava morto, deixando a sua jovem mulher de nome Luzia, viúva e a Tereza sua filha, ainda criança.
 O Luizinho estava mortalmente ferido. Tinha levado uma estocada com a ponta do facão, no abdômen, perfurando os seus intestinos, o que era impossível para o Seu Oscar Farmacêutico fazer qualquer coisa em seu favor, a não ser a assepsia do local e medicamentos para aliviar a dor. 
Aos familiares, o farmacêutico orientou que tinham de levar o Luizinho pra Patos, ou Coromandel, urgentemente, senão ele não suportaria e poderia morrer. Mas, levar como? Naquele tempo ninguém possuía um veículo na redondeza. Pra levar de carro de boi era muito difícil e longe...
Foram muitos dias ouvindo os gritos de lamento da pobre Clementina, que ecoavam em todos os cantos da pequena Vila chorando o filho morto, clamando por Justiça!
Até hoje tenho a impressão de ouvir os gemidos lancinantes do Luizinho, que permaneceu por uns três dias sofrendo horrores. E o meu pai, Seu Oscar, fazendo o impossível para amenizar o sofrimento do pobre coitado, que ficou em uma cama nos fundos da nossa casa até morrer à míngua. Viam-se claramente nos olhos lacrimejantes do papai o seu sofrimento, impotente diante daquela situação, sem nada poder fazer para salvar aquele infeliz.
Foi assim o lado triste do nosso bucólico ARRAIAL DA LAPA DO PAMPLONA......



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