Dinheiro não lumeia!!!
Muito antes do que se
pensa o Tião da Zina já tinha ideia de economia e poupança. Tinha também uma
visão do valor do dinheiro, e já sabia que nem sempre o vil metal é o mais
importante em determinadas situações.
Contar hoje como era a
nossa vida na nossa querida Vazante, nos idos de 60, 70, corre-se o risco de
ser desacreditado por alguns.
A cidade bem
pequenininha, tinha poucas casas de telhas. Por que digo de telhas? A explicação é simples. Como eu disse na
história da emancipação política de vazante, tínhamos poucas moradias
construídas de adobe e cobertas com telhas, que não eram francesas, mas comuns.
E muitos ranchos de pau a pique, cobertos com folhas de babaçu. Para quem não
conhece, babaçu é um tipo de coqueiro muito abundante na região e com grande
cobertura de folhas, utilizadas ao fim já mencionado. Muitos o chamam de
baguaçu.
-A telha comum também merece um parágrafo. É
aquela telhinha redonda, geralmente branca, pois construída de argila branca,
muito comum na região. Me parece que ela é também chamada de telha colonial. Ela
tem uma forte ligação com um adágio popular que carimba algumas coisas malfeitas,
dizendo que tal coisa foi feita nas coxas. Muitos interpretam erroneamente,
fazendo até ligações de caráter sexual, quando na verdade não tem nada a ver.
Esse dizer nasceu na época colonial - vem daí o nome da telha -, quando
inventaram cobrir moradias com telhas feitas de barro cozido. Eram essas ditas cujas. No processo de
fabricação delas seguia-se, praticamente o mesmo de agora. Mas aí é que nasce a diferença. Amassava-se a
argila e na hora de enformar as telhas, como não existiam as formas, eram
modeladas nas pernas nuas dos escravos. Como cada um tinha as suas pernas de
diferentes bitolas, umas mais grossas do que as outras, saiam telhas de todos
os formatos. Então era difícil o acasalamento. Daí veio o dito popular: “essas
foram feitas nas coxas”. Por isso firmou-se jurisprudência: tudo o que é mal
feito, foi feito nas coxas...
Então como dizia, a
cidade muito pequena e nós, a juventude de então tínhamos poucas opções de
lazer e diversões. Tinha um motor à diesel que funcionava até às dez horas, fornecendo
iluminação para algumas casas e para o bar, onde bebericávamos as nossas cervejinhas.
Desligado este, só nos restava duas opções, dormir ou ir pra zona boêmia.
O bar onde frequentávamos
até o apagar das luzes se localizava ali na rua Salatiel Corrêa, quase de
frente para o Hotel São Domingos. E a zona boêmia era lá embaixo, na Rua Claro
de Minas, onde hoje é a oficina mecânica do Maurício Pombinho. A gente achava
longe, porque ninguém tinha automóvel, o trajeto era feito de pé. Ainda assim,
íamos quase todos os dias. Não que fôssemos em busca de sexo. Era pra tomar uma
cerveja a mais, comer um arroz com linguiça, ou com frango e voltar pra casa e
dormir.
Vocês verão ao longo
das minhas narrações que eu era o mais novo da turma. Eu sempre tive esse
cuidado de estar constantemente em companhia de pessoas mais velhas e porque
não dizer, melhores. Os companheiros eram os mesmos:João Victor, Arioaldo
Soares (Adin), Alírio Vida, Gervásio Machado (caçula), João da Dorvina, Tião da
Zina, Lazinho e Zezé da Pequetita. Esses eram os mais constantes. Me parece que
dessa turma apenas eu e o Tião da Zina estamos vivos. Tinha mais alguns que iam
com menos frequência. E, por lá, ainda encontrávamos outros frequentadores
habituais.
.
Para quem gostava de
dançar, todos os dias o Birucha na sanfona, o Fio Tobias no violão, o Nego roxo
ou o Aureo no pandeiro, formavam a orquestra, (isso tá parecendo um necrófilo,
todos falecidos). A dança era a diversão preferida e a bem dizer a única que
tinham as mulheres que frequentavam o ambiente. Algumas eram bem boas de danças.
Como na nossa turma tinha os que se achavam “os pés de valsa “. Era um prato
feito...
O Tião da Zina era
indispensável. Se ele faltasse por qualquer razão, a noite não era a mesma.
Tião tinha e tem até hoje uma facilidade para transformar as pequenas coisas em
grandes motivos cômicos. Existem pessoas que nascem com esse dom. Até hoje paga
a pena ouvir em viva voz a narrativa de alguma das suas.
Para exemplificar, numa
noite dessas, quando o motor diesel foi desligado, tinha chovido bastante e a
estradinha por nós usada na descida pra zona estava toda enlameada. Local que
chamávamos de pescoço e era muito escorregadio. De vez em quando um relâmpago
clareava longe e dava pra se orientar vendo o trilhozinho molhado, lá bem
distante. Depois, tudo escurecia de novo. Nessas horas o Tião, usando da sua
veia cômica, tirava um pacote de dinheiro do bolso e dizia: o que vale dinheiro? Dinheiro não lumeia! Tinha
dinheiro, mas não tinha uma lanterna, era o que ele queria dizer, por certo.
Muito interessante essa
observação naqueles longínquos tempos, que carrega um enorme valor até aos dias
de hoje. Tem hora que o dinheiro nada vale mesmo.
Veja agora neste
momento crucial que estamos vivenciando. O dono do banco Santander, um
multimilionário, morreu em Portugal, vítima da covid 19, e a sua filha escreveu
nas redes sociais, dizendo que a família possuía muito dinheiro o que não
impediu de ver o pai falecer pela falta daquilo que todos recebem de graça: o
ar.. Tinha razão o nosso amigo, Tião da Zina, dinheiro não lumeia!!!
Mas a principal teoria
do Tião que nos marcou a todos foi a da poupança. Sim, poupança! Ele estimulava
a poupança desde aquela época. Se bem que poucos da nossa turma tivesse ideia
do que fosse poupança e nem mesmo ele, pois não se referia a poupar dinheiro.
Quando alguém do grupo tomava
a iniciativa de aproveitar a viagem para ir além do frango com arroz e resolvia
afogar o ganso, sempre ouvia os sábios conselhos do Tião quanto a questão da
poupança. Dizia bem sério: - cuidado, gente! Vamos poupar o bilau! Isso vai
fazer muita falta láaaaaa na frente! Cuidado!...
E não é que ele tinha
razão! Ele enxergava longe.
Lá pra depois dos
setenta...
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