NA FAZENDA DO VOVÔ TINHA DE TUDO


No meu tempo de criança a gente ficava aflito para chegar um feriado comprido, as férias escolares e qualquer outro motivo para ir para a Macaúbas. Seria o mesmo que ir pro céu, tanto pregado pelos padres e as professoras nas aulas semanais de religião.Inicialmente a única condução que tínhamos para ir pra fazenda era o cavalo. Mas na falta deste, apesar das cinco léguas que a separava da Lapa do Pamplona ia-se até mesmo de pé. Já fui muitas vezes, mas voltar? Como a gente não queria, achava longe.
Só mesmo quem conheceu para saber o que era a fazenda do vovô Dandico. Fica na região das Macaúbas, na margem do córrego com o mesmo nome, daí o seu nome: FAZENDA MACAÚBAS.

Com o passar dos tempos começaram a surgir os automóveis e as jardineiras, facilitando as nossas idas para o paraíso chamado Macaúbas. Em pouco tempo já tínhamos decoradas todas as curvas e retas da estrada de terra que passava próximo da fazenda. Quando ganhava a reta perto do ponto onde a gente ia deixar a condução não ficava ninguém sentado, todos de pé tentando avistar primeiro o local da descida. Era só pular fora e sair as carreiras ladeira abaixo, em direção da sede da Fazenda, numa disputa frenética de quem chegaria primeiro. Meu pai ou minha mãe ou ambos que estivesse nos levando que cuidasse da bagagem. Não ficava um pra auxiliar no carregamento delas.
Isso até um dia em que procedendo dessa maneira, ao chegar na fazenda, nem cumprimentar garrado na mão e pedir benção, conforme era a exigência, fui direto para o quintal. Era tempo de mangas maduras. Subi agilmente pela mangueira acima e na tentativa de apanhar uma manga das maiores, dependurada num galho menos resistente, de lá despenquei no chão. Quando minha mãe chegou já tinha voltado a si. Desmaiei com o tombo e poderia ter sido pior, pois não quebrei braço, nem perna. Foi só o susto e a proibição de jamais descer às carreiras primeiro do que os outros. Tinha de descer todos juntos.



Meus avós tiveram muitos filhos e nessa época apenas os dois mais novos eram solteiros. Por isso a quantidade de netos era enorme. Tinha semana que juntávamos até trinta netos na fazenda. Era uma algazarra. Com raras exceções eram todos de idades quase iguais. O motivo do ajuntamento era a nossa chegada, pois, dos filhos, apenas minha mãe morava mais distante, na Lapa. Os demais moravam dentro da própria fazenda, ou próximo dali. Quando se aproximava os dias da nossa chegada, todos faziam o mesmo e a casa da fazenda enchia.


A casa dos meus avós era muito simples. Aliás, como eram todas as casas de fazenda de então. Sala, cozinha e muitos quartos de dormir. Não tanto pra eles, pois fora de temporada dos netos, apesar de ser uma casa muito frequentada, ficavam ociosos.
Ao lado dela ficava a casinha de despejo, onde guardava as arreatas dos animais e agasalhavam as tuias de armazenar arroz, feijão e guardar os estoques de farinha de mandioca e de milho, além das latas de carne de porco e de gado, conservadas na gordura. Nessa mesma casinha tinha um puxado, tipo meia água, onde ficavam as fornalhas com tachas de cobre, nas quais se fritavam os capados e as carnes de gado e cozinhavam-se as farinhas até ganharem ponto para serem ensacadas e armazenadas. Ali, o forno de assar biscoitos tomava um grande espaço, pois feito de adobes em formato de cupim tinha de obedecer a uma determinada regra da física para não desabar. Seguiam-se no mesmo alinhamento outras casinhas, onde ficava o alambique de produzir cachaça, o depósito de fumo de rolo e o tear da vovó tecer os tecidos necessários ao uso da fazenda.
Naquele tempo as fazendas produziam quase de tudo, pois não tinha onde socorrer. Na venda comprava-se apenas o sal de cozinha e para o gado. A iluminação era na sua totalidade com as candeias de azeite e o café, produzido na fazenda, era adoçado com rapadura, também feita na Macaúba. Eventualmente, com a vinda dos meus pais, comprava-se, também, um litro de querosene e um pouco de açúcar para melhor servi-los.



Nesse meio ficava a casinha de queijos. Á propósito ficava com uma porta para o curral, para receber o leite das vacas, despejado diretamente no latão onde ia o coalho. Lá dentro ficava a banca de queijos e as prateleiras, onde eram armazenados os queijos de mais de dois dias, até ganhar cura e serem comercializados. Para proteção contra os ratos, eram construídas guardando distância das paredes, e nos caibros de madeira que as sustentavam pregavam-se latões, que tinham por finalidade impedir o acesso dos ratos que, apesar da vigília constante dos gatos, ainda davam prejuízos.
Poderia ficar aqui, páginas e mais páginas, para falar da fazenda, mas o que pretendo é contar a façanha de um gato rajado, que ao invés de vigiar os ratos useiros e vezeiros em beliscar os queijos, ele passou a fazer as vezes deles, até ser flagrado pela vovó.
Era um gatão rajado, cria da fazenda, sendo um dos mais velhos. Ultimamente ele está arisco, ficando a maior parte do dia no mato e só aparece à noite. Foi flagrado pelo Emídio Baiano mexendo nos queijos, ficando o estrago por conta dos ratos, que ele tinha por obrigação, vigiá-los.
Armaram todos os meios para capturar o gato e não conseguiam. O Piloto, cachorro mais bravio da fazenda, foi estumado nele, sem que conseguisse pôr os dentes no velhaco. Depois de muitas tentativas, o Emídio conseguiu aprisionar ele dentro de um pequeno quarto e com a ajuda de muitos outros da fazenda, meteu o bicho dentro de um saco.
Minha avó não queria que o gato fosse sacrificado. Deu a incumbência ao Emídio para dar sumiço nele. O Emídio era um mulatão desses de quase dois metros, muito maldoso, imaginou em fazer uma maldade com o gato. Lembrou-se da roça arada lá da ilha do córrego. Era uma área de uns dois alqueires de terra arada, pronta para receber o próximo plantio. Cercada de água por todos os lados, era o local ideal para se vingar daquele gato. Cercou a pinguela, o único local de acesso áquela área, passou o Piloto pra dentro e o circo tava montado. Era só soltar o bicho naquele eito de terra arada, sem nenhuma saída e o resto ficaria por conta do Piloto.
O gatão preso dentro de um saco esperneava e o Piloto quase o tomava do Emídio, afoito pra se vingar das quantas vezes correu atrás dele e não teve êxito naquelas perseguições.
Emídio se posicionou bem no centro da terra arada, abriu a boca do saco e soltou o gato. Iria apreciar sozinho aquele espetáculo. O Piloto engatilhou uma corrida maluca atrás do bichano, que ficou fininho na frente do cão. Pega aqui, pega acolá, nega daqui, nega dacolá, e o gato muito arisco conseguia se livrar do perseguidor. Foi nos quatro cantos da terra e não achou meio de escapar, pois como se sabe, gato não entra na água. Não tinha uma árvore sequer para que pudesse nela subir e deixar o cachorro a ver navios. E a coisa foi apertando. O Piloto incansável dava em cima dele, sem trégua.
Num determinado momento, o gato se vendo sem escapatória rumou em desabalada carreira na direção de onde o Emídio apreciava o embate, torcendo pelo cachorro pegar o gato e nele dar fim. Não vislumbrando uma alternativa, num átimo, quando o Emídio piscou os olhos, o gato vendo aquele negão parado feito um toco de pau no meio da lavoura, encarapitou nele e ficou bem posicionado em cima da sua cabeça, com as unhas bem fincadas no seu couro cabeludo. E, o Piloto subindo no corpo do mulato, querendo, a qualquer custo, alcançar o bicho lá no alto da sua moleira.
O Emidio ficou sem saber que atitude tomar. Levava a mão no gato, ele unhava e rosnava bravamente. O piloto não dava trégua. Insistia em pular em cima dele, querendo alcançar a sua presa. Ele ideava de abaixar e oferecer oportunidade pro cachorro alcançar o bichano, mas ele não dava oportunidade, devido a aflição em alcançar o gato. A sua cabeça estava em fogo e minava sangue em diversos lugares.
0 Emidio ficou naquela posição “de meu Deus o que que é isso”, com aquele bicho na cabeça, sem encontrar uma solução. O gato comia o seu couro cabeludo com as unhas para melhor se firmar. O cachorro unhava as suas pernas, barriga, o corpo todo...
Então o homem imaginou uma saída. Caminharia no rumo da pinguela e ao transpô-la o gato poderia se livrar do cão e ele se livraria também do bichano. Ensaiou uma caminhada levando o gato na sua moleira. Tinha de ir devagar e sem olhar muito pro chão, pois se pendesse a cabeça pra baixo pra melhor enxergar onde estaria pisando o gato sentia-se desiquilibrado e metia-lhe as unhas afiadas.
A Solução surgiu por um puro acaso. Naquela caminhada, meio desiquilibrado, o Emídio acabou tropeçando numa raiz exposta no terreno e foi de ponta cavaco até desabar na terra arada, levando com ele o gato e o cão que dele não se afastou nem um minutinho sequer. Ao bater espichado no chão o gato se soltou e partiu em disparada, tendo o Piloto no seu calcanhar.
Emidio Baiano se levantou, bateu a poeira da roupa e pegou o rumo de casa. Não quis mais saber do embate entre o cachorro e o gato. Só se sabe que o gato nunca mais apareceu na fazenda...
FOI UM SOSSEGO...




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