SÁ JOVE, A EMÍLIA MORREU!...
(Em homenagem ao dias das mães |
A Vida é repleta de acontecimentos que, por uma força superior nos traz ensinamentos, os quais conosco viajam pela vida afora.Um fato pretérito, acontecido comigo e um irmão quando ainda éramos crianças, além de trazer uma profunda reflexão, ainda me marcou por toda a vida.Vila da Lapa. Vidinha pacata. A gente conhecia a todos e todos conheciam a gente. Interessante que até os passos das pessoas passando a noite na rua dava pra saber quem era. Me lembro bem do Antônio da Amélia. Ele ficava até certa hora da noite na casa do Osvaldo Ferreiro, na rua de cima da praça da igreja.
Quando ele descia, geralmente eu já estava deitado e pelo seu assobio e o seu andar cadenciado sabia ser o Ti Tõe, conforme o chamávamos. Isso, em razão dele ser tio do Zezé da Pequetita , nosso amigo inseparável, passou a ser tio de todos nós.Naquela época muitas pessoas folclóricas passaram pelas nossas vidas e povoam até hoje as minhas lembranças. Bem próximo da minha casa, ali na praça da igreja, tinha o Seu Abílio Ribeiro. Era ele o responsável pelo fornecimento precário da água vinda do Tiracatinga. Era um encanamento velho, enferrujado, sempre dando defeitos e, por isso a constante falta de água no depósito que ficava ali na Praça, quase defronte às bases da igreja, atual Santuário de Nossa Senhora da Lapa. E todos culpavam o velho Abílio. Era a pessoa mais xingada pelas mulheres. Muito incompreendido o pobre zelador da água.
Seu Abilio, além dessa obrigação ele tinha uma tenda de carrear.
O seu candiero era o Silas, pessoa que marcou muito a vida de todos nós que com ele convivemos. Tipo desengonçado, brincalhão, quase sempre com um cigarro de palha que, quando não estava preso atrás da orelha, estava pendente aos lábios. Ele tinha os dentes quase todos cariados e minha mãe, para nos afastar do hábito de fumar, dizia que os dentes dele eram assim, devido o uso de cigarro. Ele suportava todo tipo de brincadeira, mas não admitia a gente chamá-lo de irmão da Tina. Na verdade, até hoje não sei se eram irmãos de verdade. Mas ele detestava dizer.
E o Pepé? Esse era uma pessoa especial. Nunca fiquei sabendo de onde veio, ou se tinha parentes na pequena currutela. O apelido de Pepé foi em razão de ter queimado os pés, onde não sei, e cicatrizaram com os dedos todos pregados Imagina o quanto sofreu essa criatura! Era uma pessoa muito querida por todos. Ele não arranchava em qualquer casa, tinha aquelas da sua predileção. Nessas ele cozinhava, buscava água da torneira, da biquinha (essa era potável) e fazia todos os trabalhos domésticos como ninguém. O Pepé detestava panelas pequenas, por isso nas casas onde residiam poucas pessoas ele demorava pouco. O seu xodó era aquelas panelonas enormes, onde cozinhavam grandes quantidades de arroz, feijão, carnes... As deixava ariadinhas e brilhando como novas. Era a sua paixão...Muitos outros povoam a minha mente.
Me lembro do Braz da dona Virgínia. O Braz era um rapagão enorme, robusto, mas só andava junto a mãe, quase sempre seguro pela mão. Era uma criatura especial. Nós o chamávamos de Braizão, curuizão, credão. Aliás, esse jargão era ele próprio que dizia, mas não gostava que a gente repetisse. Então ele escapulia da mãe e saia em disparada atrás da gente, portando um enorme porrete. Segundo a D. Virgínia o porrete era pra se livrar dos cachorros que o assediavam constantemente. Ele não atacava ninguém, ela dizia. A molecada morria de medo dele, mas mexia assim mesmo. A D. Virgínia era a mãe do Osvaldo 40, do Osmar, do Sezostre e da Nenzinha e o Braz. Esse sofria de epilepsia e, por isso, morreu afogado num pocinho de água na biquinha. Inegável, quem sofre esse mal não pode facilitar com fogo e água. Num pequeno descuido ele se afogou.
Me lembro que a D. Virgínia sofreu muito com a morte do filho, pois era a sua inseparável companhia.Mas Quem me marcou profundamente foi a Sá Jove. Presumo que o seu nome fosse Jovenília, mas todos a conheciam por Sá Jove. Era uma senhorinha já de idade, com os seus sessenta anos. Cabelos sempre cobertos por um lenço, saias longas, como era o costume. Pés descalço e um rosto triste, reflexo de uma vida sofrida.Até hoje me sinto intimamente culpado pelo sofrimento dessa pobre criatura. Ela vivia de favores, ora numa casa, ora em outra, onde lhe era dado um cantinho para encostar, passar a noite. Comer, era um dia numa casa, outro dia em outra. O povo, de modo geral, não negava comida e nem o local onde pudesse pernoitar. Era mais frequente na casa da D. Ordália, esposa do Seu Abílio, o homem responsável pela água. Até hoje tenho minhas dúvidas de um possível parentesco entre elas.Mas o sofrimento maior da Sá Jove era com o desprezo explícito pela sua única filha, conhecida por Emília. Emilia era casada com o Sebastião do Virgulino e morava no início da Rua da Biquinha. Ela detestava a mãe e não permitia de forma alguma que ela fosse até a sua casa, ou tivesse qualquer contato com os netos, no caso seus filhos.
A pobre da Sá Jove ficava nas esquinas observando o movimento na casa da filha, só pra ganhar uma oportunidade, por menor que fosse, de ver, ainda que de longe, a filha ou alguns dos seus netos. Se a Emília a visse ela corria atrás dela e a escorraçava das imediações da sua casa. Atitude inqualificável daquela mulher sem alma nem coração. Como podia desprezar a sua mãe daquela maneira? Era desumano e cruel os atos por ela praticados.Naquela época ninguém se colocava em favor da Sá Jove por medo do marido da Emília, que tinha uma situação financeira confortável. Possuía casa de morada, uma tenda de carro de boi e isso o colocava dentre as pessoas de posse. Por essa razão ninguém se posicionava contra as atitudes da Emília.
CASA DO SR.OSCAR DA FARMÁCIA .SENTADOS ESTÃO VANDERLEI,EDSON=N E TAQUINHO EM PE ESTÃO SNHOR OSCAR,DONA MARIA ,JOARZINHO COSTA E MARIA ONEÍDA
Sá Jove, A Emilia morreu Era insuportável para a mãe amorosa que era. Desconhecedores do sofrimento daquela pobre mulher, tudo fazíamos para aumentar o seu tormento. Aprendemos a falar com ela essa maldade, mas de longe, pois de perto era perigoso por causa das pedradas certeiras que ela treinou em jogar: Sá Jove, a Emília morreu! Essa nossa atitude calava fundo no coração da infeliz. Seria pra ela pior do que a própria morte. Mas a gente não parava pra avaliar o mal que fazíamos a pobre da Sá Jove. E aí era moleque pra tudo o que era lado e desalmadamente sempre repetindo: Sá Jove a Emília morreu! E pedrada em cima de pedrada... Até que um dia eu estava sentado num banco na porta da farmácia do meu pai, com o Vanderlei meu irmão no colo. Eu cumpria duas obrigações, pajear o menino pra mamãe e olhar a farmácia do meu pai, enquanto eles almoçavam. O Vanderlei deveria ter perto três a quatro anos de idade e eu em torno de nove a dez. Me lembro bem que ele era um garoto gordinho, cabelos lourinhos e encaracolados, muito bonito. Nisso a Sá Jove passou pela rua e, instintivamente, gritei: Sá Jove, a Emilia morreu! Nem deu tempo de pensar. Uma pedra passou zunindo em direção a nós e passou muito perto de acertar a cabeça do meu irmão o que, se tivesse acontecido, era morte certa. A pedra acertou a vitrine nova da farmácia do meu pai, estilhaçando os vidros e quebrando frascos de perfumes que tinham dentro, causando um enorme prejuízo.Ouvindo lá de dentro da casa aquele barulhão vieram os dois às carreiras e viram a Sá Jove virando a esquina. Não foi difícil imaginar a razão do ocorrido, como não é difícil imaginar o tamanho da surra que levei.Não contei aos meus pais o perigo maior do acontecido. Se a trajetória daquela pedra tivesse um centímetro de diferença poderia ter arrebentado a cabeça do meu irmão e, com certeza, teria lhe matado. Mesmo não tendo culminado com o pior, julguei por bem ocultar, pois minha mãe não suportaria. Ela era extremamente preocupada e ciumenta com as suas crias. Esse incidente falou alto na minha consciência, apesar da pouca idade. Com a popa em fogo, depois das tantas chibatadas do meu pai e no quarto escuro, onde purgava o castigo pelo meu erro, pude rever os meus atos de maldade com aquela pobre mulher, sofredora pela inconsciência da sua filha e pelas atitudes inconsequentes da molecada.
Desse dia em diante jurei redimir dos meus erros e passei a ser defensor da Sá Jove. Não aceitava que ninguém da minha turma a amolasse. Consegui conquistar a confiança da pobre anciã e passei a ser seu amigo. A levava constantemente para se alimentar na minha casa. Conversávamos longamente e me fiz confidente das suas infelicidades. Como ela achava bom ter com quem conversar e clamar os horrores das atrocidades da filha. Não tinha explicações e nem motivos, além da pobreza, para a intolerância e o desprezo que sofria. Era de arrepiar os cabelos.Bem ali, naquela pracinha no início da Avenida Paracatu, existia uma casinha antiga, que serviu por muitos anos para agasalhar a Escola Municipal mantida pelo município de Paracatu.
Depois veio a emancipação do nosso município e foi construído o Grupo Escolar Deputado Cândido Ulhôa. Eu mesmo ali estudei como também estudei no Grupo Escolar. Com essa construção a casinha ficou desocupada e sem utilidades.Nesse período a Sá Jove caiu doente, sem condições até para se locomover. Tiveram a ideia de alojá-la naquela casinha. Meu pai, caridoso como sempre, cuidava dela, ministrava os remédios que julgava necessários e eu tomei a obrigação de levar comida, água e verificar se ela tomava os remédios da forma prescrita. Passei a ser uma espécie de seu enfermeiro e ter um cuidado todo especial para com a enferma.E assim foi algum tempo. Eu me sentia feliz em estar fazendo aquilo pela Sá jove.
Tinha a certeza de estar redimindo dos meus erros para com a coitada. A filha morava quase defronte a casinha onde ela estava e nunca se dignou visitar a pobre mãe, nem nos momentos finais da sua vida. Era cruel e desalmada. Tive o ímpeto de falar com ela, dizer umas verdades que tanto precisavam serem ditas. Mas o sentimento de inferioridade me desencorajava. Eu era uma criança.Uma manhã, não recordo o dia, quando cheguei na morada da Sá Jove, notei que ela estava bem mal de saúde. Na verdade, ela estava agonizante, em seus momentos finais. Eu já conservava uma vela e uma caixa de fósforo, guardados pois previa esse momento. Acendi a vela e a coloquei na sua mão gelada, cheia de rugas e ela entregou sua alma a Deus.Como sempre, tenho a convicção de que as coisas da vida só acontecem com o consentimento de Deus. Tenho a certeza de que ele me escolheu para iluminar os caminhos daquela pobre sofredora em direção aos Céus.ME SENTI aliviado e grato a Ele...
Seu Abilio, além dessa obrigação ele tinha uma tenda de carrear.
O seu candiero era o Silas, pessoa que marcou muito a vida de todos nós que com ele convivemos. Tipo desengonçado, brincalhão, quase sempre com um cigarro de palha que, quando não estava preso atrás da orelha, estava pendente aos lábios. Ele tinha os dentes quase todos cariados e minha mãe, para nos afastar do hábito de fumar, dizia que os dentes dele eram assim, devido o uso de cigarro. Ele suportava todo tipo de brincadeira, mas não admitia a gente chamá-lo de irmão da Tina. Na verdade, até hoje não sei se eram irmãos de verdade. Mas ele detestava dizer.
E o Pepé? Esse era uma pessoa especial. Nunca fiquei sabendo de onde veio, ou se tinha parentes na pequena currutela. O apelido de Pepé foi em razão de ter queimado os pés, onde não sei, e cicatrizaram com os dedos todos pregados Imagina o quanto sofreu essa criatura! Era uma pessoa muito querida por todos. Ele não arranchava em qualquer casa, tinha aquelas da sua predileção. Nessas ele cozinhava, buscava água da torneira, da biquinha (essa era potável) e fazia todos os trabalhos domésticos como ninguém. O Pepé detestava panelas pequenas, por isso nas casas onde residiam poucas pessoas ele demorava pouco. O seu xodó era aquelas panelonas enormes, onde cozinhavam grandes quantidades de arroz, feijão, carnes... As deixava ariadinhas e brilhando como novas. Era a sua paixão...Muitos outros povoam a minha mente.
Me lembro do Braz da dona Virgínia. O Braz era um rapagão enorme, robusto, mas só andava junto a mãe, quase sempre seguro pela mão. Era uma criatura especial. Nós o chamávamos de Braizão, curuizão, credão. Aliás, esse jargão era ele próprio que dizia, mas não gostava que a gente repetisse. Então ele escapulia da mãe e saia em disparada atrás da gente, portando um enorme porrete. Segundo a D. Virgínia o porrete era pra se livrar dos cachorros que o assediavam constantemente. Ele não atacava ninguém, ela dizia. A molecada morria de medo dele, mas mexia assim mesmo. A D. Virgínia era a mãe do Osvaldo 40, do Osmar, do Sezostre e da Nenzinha e o Braz. Esse sofria de epilepsia e, por isso, morreu afogado num pocinho de água na biquinha. Inegável, quem sofre esse mal não pode facilitar com fogo e água. Num pequeno descuido ele se afogou.
Me lembro que a D. Virgínia sofreu muito com a morte do filho, pois era a sua inseparável companhia.Mas Quem me marcou profundamente foi a Sá Jove. Presumo que o seu nome fosse Jovenília, mas todos a conheciam por Sá Jove. Era uma senhorinha já de idade, com os seus sessenta anos. Cabelos sempre cobertos por um lenço, saias longas, como era o costume. Pés descalço e um rosto triste, reflexo de uma vida sofrida.Até hoje me sinto intimamente culpado pelo sofrimento dessa pobre criatura. Ela vivia de favores, ora numa casa, ora em outra, onde lhe era dado um cantinho para encostar, passar a noite. Comer, era um dia numa casa, outro dia em outra. O povo, de modo geral, não negava comida e nem o local onde pudesse pernoitar. Era mais frequente na casa da D. Ordália, esposa do Seu Abílio, o homem responsável pela água. Até hoje tenho minhas dúvidas de um possível parentesco entre elas.Mas o sofrimento maior da Sá Jove era com o desprezo explícito pela sua única filha, conhecida por Emília. Emilia era casada com o Sebastião do Virgulino e morava no início da Rua da Biquinha. Ela detestava a mãe e não permitia de forma alguma que ela fosse até a sua casa, ou tivesse qualquer contato com os netos, no caso seus filhos.
A pobre da Sá Jove ficava nas esquinas observando o movimento na casa da filha, só pra ganhar uma oportunidade, por menor que fosse, de ver, ainda que de longe, a filha ou alguns dos seus netos. Se a Emília a visse ela corria atrás dela e a escorraçava das imediações da sua casa. Atitude inqualificável daquela mulher sem alma nem coração. Como podia desprezar a sua mãe daquela maneira? Era desumano e cruel os atos por ela praticados.Naquela época ninguém se colocava em favor da Sá Jove por medo do marido da Emília, que tinha uma situação financeira confortável. Possuía casa de morada, uma tenda de carro de boi e isso o colocava dentre as pessoas de posse. Por essa razão ninguém se posicionava contra as atitudes da Emília.
CASA DO SR.OSCAR DA FARMÁCIA .SENTADOS ESTÃO VANDERLEI,EDSON=N E TAQUINHO EM PE ESTÃO SNHOR OSCAR,DONA MARIA ,JOARZINHO COSTA E MARIA ONEÍDA |
Sá Jove, A Emilia morreu Era insuportável para a mãe amorosa que era. Desconhecedores do sofrimento daquela pobre mulher, tudo fazíamos para aumentar o seu tormento. Aprendemos a falar com ela essa maldade, mas de longe, pois de perto era perigoso por causa das pedradas certeiras que ela treinou em jogar: Sá Jove, a Emília morreu! Essa nossa atitude calava fundo no coração da infeliz. Seria pra ela pior do que a própria morte. Mas a gente não parava pra avaliar o mal que fazíamos a pobre da Sá Jove. E aí era moleque pra tudo o que era lado e desalmadamente sempre repetindo: Sá Jove a Emília morreu! E pedrada em cima de pedrada... Até que um dia eu estava sentado num banco na porta da farmácia do meu pai, com o Vanderlei meu irmão no colo. Eu cumpria duas obrigações, pajear o menino pra mamãe e olhar a farmácia do meu pai, enquanto eles almoçavam. O Vanderlei deveria ter perto três a quatro anos de idade e eu em torno de nove a dez. Me lembro bem que ele era um garoto gordinho, cabelos lourinhos e encaracolados, muito bonito. Nisso a Sá Jove passou pela rua e, instintivamente, gritei: Sá Jove, a Emilia morreu! Nem deu tempo de pensar. Uma pedra passou zunindo em direção a nós e passou muito perto de acertar a cabeça do meu irmão o que, se tivesse acontecido, era morte certa. A pedra acertou a vitrine nova da farmácia do meu pai, estilhaçando os vidros e quebrando frascos de perfumes que tinham dentro, causando um enorme prejuízo.Ouvindo lá de dentro da casa aquele barulhão vieram os dois às carreiras e viram a Sá Jove virando a esquina. Não foi difícil imaginar a razão do ocorrido, como não é difícil imaginar o tamanho da surra que levei.Não contei aos meus pais o perigo maior do acontecido. Se a trajetória daquela pedra tivesse um centímetro de diferença poderia ter arrebentado a cabeça do meu irmão e, com certeza, teria lhe matado. Mesmo não tendo culminado com o pior, julguei por bem ocultar, pois minha mãe não suportaria. Ela era extremamente preocupada e ciumenta com as suas crias. Esse incidente falou alto na minha consciência, apesar da pouca idade. Com a popa em fogo, depois das tantas chibatadas do meu pai e no quarto escuro, onde purgava o castigo pelo meu erro, pude rever os meus atos de maldade com aquela pobre mulher, sofredora pela inconsciência da sua filha e pelas atitudes inconsequentes da molecada.
Desse dia em diante jurei redimir dos meus erros e passei a ser defensor da Sá Jove. Não aceitava que ninguém da minha turma a amolasse. Consegui conquistar a confiança da pobre anciã e passei a ser seu amigo. A levava constantemente para se alimentar na minha casa. Conversávamos longamente e me fiz confidente das suas infelicidades. Como ela achava bom ter com quem conversar e clamar os horrores das atrocidades da filha. Não tinha explicações e nem motivos, além da pobreza, para a intolerância e o desprezo que sofria. Era de arrepiar os cabelos.Bem ali, naquela pracinha no início da Avenida Paracatu, existia uma casinha antiga, que serviu por muitos anos para agasalhar a Escola Municipal mantida pelo município de Paracatu.
Depois veio a emancipação do nosso município e foi construído o Grupo Escolar Deputado Cândido Ulhôa. Eu mesmo ali estudei como também estudei no Grupo Escolar. Com essa construção a casinha ficou desocupada e sem utilidades.Nesse período a Sá Jove caiu doente, sem condições até para se locomover. Tiveram a ideia de alojá-la naquela casinha. Meu pai, caridoso como sempre, cuidava dela, ministrava os remédios que julgava necessários e eu tomei a obrigação de levar comida, água e verificar se ela tomava os remédios da forma prescrita. Passei a ser uma espécie de seu enfermeiro e ter um cuidado todo especial para com a enferma.E assim foi algum tempo. Eu me sentia feliz em estar fazendo aquilo pela Sá jove.
Tinha a certeza de estar redimindo dos meus erros para com a coitada. A filha morava quase defronte a casinha onde ela estava e nunca se dignou visitar a pobre mãe, nem nos momentos finais da sua vida. Era cruel e desalmada. Tive o ímpeto de falar com ela, dizer umas verdades que tanto precisavam serem ditas. Mas o sentimento de inferioridade me desencorajava. Eu era uma criança.Uma manhã, não recordo o dia, quando cheguei na morada da Sá Jove, notei que ela estava bem mal de saúde. Na verdade, ela estava agonizante, em seus momentos finais. Eu já conservava uma vela e uma caixa de fósforo, guardados pois previa esse momento. Acendi a vela e a coloquei na sua mão gelada, cheia de rugas e ela entregou sua alma a Deus.Como sempre, tenho a convicção de que as coisas da vida só acontecem com o consentimento de Deus. Tenho a certeza de que ele me escolheu para iluminar os caminhos daquela pobre sofredora em direção aos Céus.ME SENTI aliviado e grato a Ele...
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