Vai um chazinho aí???.
As distâncias às vezes dificultavam a busca de um remédio na farmácia da vila, para muitos, distante. Assim sendo, o jeito era tratar as mazelas que normalmente acometiam as
crianças e mesmo os adultos, com os chás e as mesinhas. Ensinamentos que vinham
de séculos seculorum, e dos avós para os pais e desses para os filhos.
E, olha lá, que era difícil
a vovó ou a mamãe errar na indicação do remédio.
Para males do estômago, chá
de folha de mamão. A marcela, também, era tiro e queda. Quando era misturada,
assim como ovo com manga, leite com torresmo, às vezes tinha de provocar um
vomitório, mas era bom porque limpava o aparelho digestivo e os intestinos.
Para os rins, nada como um
chá de picão. Pro fígado, ali estava um ror de folha de boldo. Muito usado,
pois era comum os homens excederem na cachacinha lambicada e o fígado velho
sofria.
Interessante que as pessoas
se socorriam desses únicos e disponíveis meios curativos e viviam bem com a
ajuda de deus.
Na falta dos farmacêuticos,
sempre práticos, tinham os puçanguaras. Esses eram a salva guarda. Normalmente
eles tinham reservas e plantações de ervas e plantas medicinais. Tinham alguma
prática de encanar um braço, uma perna e até pequenas suturas faziam. Alguns
adquiriam mais famas, pois eram mais aventureiros e ousavam, em situações de
vida ou morte, tomar decisões extremamente perigosas, que as vezes davam certo
e salvavam aquelas vidas em risco.
Por outro lado, o chá era
muito usado, não como remédio, mas como uma beberagem que substituía o café e
era o mais recomendado com um determinado tipo de biscoito. Por exemplo, um
biscoito de polvilho frito na gordura, seja de doce, seja de sal, descia bem
mais legal com um chazinho de erva cidreira bem adoçadinho. Nas noites frias,
um chá de hortelã, na hora de se deitar, esquentava bem o peito.
Enfim, o chá era muito
usado.
Na atualidade, nas elites,
principalmente, as mulheres, usam muito convidar as amigas para um chá da
tarde. Hora em que colocam a prosa em dia. Falam dos últimos modelos de roupas,
calçados e até mesmo de automóveis. Se elogiam, reciprocamente, falam dos
penteados, das unhas, sobrancelhas... Enfim os elogios rasgados vão até o
término da rodada de chá.
Mas o gosto pelo chá não é
privilégio somente das mulheres. Têm homens que também gostam de um chazinho.
Quer dizer, até certo ponto e depende com quem...
O Pedro seresteiro, que o
diga.
Apelido ganho pelo gosto de fazer serenatas às
altas horas e alegrar as noites daqueles e, principalmente, daquelas donzelas
que têm dificuldades de ferrar no sono e ficam virando na cama pra lá e pra cá,
até o dia clarear. Muitas vezes deixava a sua própria esposa sofrendo da mesma
insônia e saía pra curar o mal das outras, sem se lembrar de que poderia cantar
uma canção praquela que lhe dera os filhos.
Mas, assim são as coisas...
Com essa brincadeira o Pedro
seresteiro, por natureza, conquistador, tinha sempre as suas aventuras
extraconjugais. Se aproveitava da fragilidade das moças, a maioria padecendo de
muita solidão, ou pelo desprezo do companheiro, acabavam sucumbindo à magia das
suas canções entoadas na calada da noite. Com certeza, esse dom da voz
melodiosa, amolecia os corações e facilitava as suas conquistas.
Umas cediam com mais
facilidade. Outras, mesmo sendo tentadas, demoravam ou até mesmo não cediam aos
galanteios do trovador.Essas eram as que mais chamavam a sua atenção. Quanto
mais difícil a conquista, melhor seriam as horas de enlevo com a nova conquistada.
Valia a pena insistir. Era esse o seu pensamento...
Nesse vai lá vem cá, após o
banho, se perfumava e descia rua abaixo, até ao bar do Osvaldino, onde tomava
umas cachacinhas. Poucas, pois não era conveniente exagerar, quem sabe daria certo
alguma coisa naquela noite e ele tinha de estar sóbrio e firme para a aventura.
Ao descer, quase sempre na
mesma hora, a mulherzinha do Chico sapateiro estava de banho tomado e debruçado
na janela da rua, exalando o seu perfume.
Pedro seresteiro tinha
certeza de que ela ali estava aguardando a sua passagem. A princípio arriscava
um sorriso discreto. Com o tempo vieram os cumprimentos e, passado algum tempo
ele ousou mais e convidou a mulher para tomar um chazinho.
Ela não dizia que sim, nem
que não. Mas não desencorajava o galanteador.
Pedro seresteiro foi se
animando mais e já imaginava que aquela logo logo estaria no gogó do malandro.
Numa tarde o seresteiro
refez o convite do chazinho para a mulherzinha do Chico sapateiro e ela
aceitou. Mandou que entrasse, dizendo a ele que o marido tinha viajado e só
voltaria no dia seguinte.
Ôba! É hoje. Chegou a dizer
em voz alta.
Como diz o velho ditado. Um
dia é da caça e o outro é do caçador. Não é que a mulher tinha contado pro
marido o constante assédio do seresteiro e eles prepararam para dar a ele um
chazinho bem caprichado.
A mulher conduziu o
conquistador para dentro da casa, levando-o até a cozinha. E lá, quem estava
acabando de descer o panelão de ferro do fogão á lenha, cheinho de chá? Era o Chico
sapateiro, que já o recebeu com o três oitão nele embicado. E entregou pra ele
uma caneca esmaltada, dessas de tirar água do pote e ordenou: pode beber o seu
chazinho à vontade. Acabava uma, ele ordenava que continuasse. Tinha de beber o
chazinho todo. Não era isso que você queria?
Quando o seresteiro conseguiu
esvaziar o panelão de ferro, foi que o sapateiro ordenou que saísse da sua casa
e tomasse vergonha na cara e nunca mais mexesse com mulher dos outros.
Pedro seresteiro, assustado
mas feliz por ter saído vivo, dessa vez não tomou o rumo do bar. Deu meia volta
e retornou pra sua casa, com a barriga quase estourando e sofrendo um terrível
mal-estar. A cada passo que dava ele chegava a ouvir o balanço do chá dentro da
pança.
Chegando em casa a mulher estranhou.
Não era normal que voltasse tão rápido. O costume era ficar até altas horas...
Viu também que o marido não
estava normal e logo indagou o que estava acontecendo com ele.
Nada não. Coisa á toa. Um
mal-estar. Nestas alturas o inchaço tomava conta do estômago do seresteiro. A
barriga estava que nem uma pipa.
Vou ver um remedinho...
Não precisa, não. Coisa á
toa. Logo passa...
Não senhor! Vou preparar um
chazinho pra você.É rapidinho...
Deus que me livre. Arranje
uma outra coisa qualquer, uma injeção, um cristel... Mas, chá, não!! E lançava
longe as golfadas do chá lá da casa do sapateiro, enquanto uma sensação de
moleza tomava conta do seu corpo todo...
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